Simpósio temático
18. Títulos, ofícios e riqueza: estratégias de ascensão social no Atlântico Moderno
Ronald Raminelli
Universidade Federal Fluminense/CNPq/Faperj
Thiago Krause
Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ)
A mobilidade ascendente dos vassalos ganhou destaque na historiografia luso-brasileira nas últimas décadas. Esses estudos tiveram a contribuição primordial dos debates em torno da negociação entre súditos e a monarquia, mas também da farta documentação disponibilizada pelo Projeto Resgate e pelo acervo da Torre do Tombo. A voga também se filia ao tradicional embate entre a visão estática da sociedade estamental e a mobilidade social crescente promovida pelo enriquecimento. Na primeira vertente, destaca-se Roland Mousnier que recorreu aos conceitos de “ordens” e “corpos”, aos critérios jurídicos e institucionais próprios daquela sociedade; na segunda encontra-se Ernest Labrousse, o qual defendeu, para além dos critérios coevos, o uso das “verdadeiras forças sociais”, a classificação social estribada na economia, no controle de forças produtivas, patrimônio e riqueza. António Manuel Hespanha também abordou o tema e considerou que a “riqueza não é em si um fator decisivo de mudança social”. Pretendeu demonstrar que a graça régia era o único mecanismo de promoção. Excessivamente estribado na norma, Hespanha não vislumbra que a vontade régia estava inserida no jogo político, na negociação com seus aliados. De fato, não raro a vontade do soberano contrariava as normas jurídicas e, em particular, os tratados de nobreza.
Recentemente tem-se rompido com esta dicotomia, pois no Antigo Regime riqueza era quase sinônimo de nobreza. Os privilégios da nobreza geravam rendimentos, tenças, rendas indispensáveis para exercer seu papel na sociedade, ou melhor, para a manutenção da linhagem e da sua posição social. O sucesso econômico não era a condição de ingresso no segundo estado, mas o passado de glória não sustentava por si as casas nobres. Enrique Soria analisa as múltiplas formas de ascender na Espanha do Antigo Regime, aí as estratégias de ascensão social estavam baseadas na fortuna prévia, ou seja, o dinheiro era o motor do processo. Fosse na América ou na península Ibérica, a riqueza por si não movia os indivíduos em direção ao topo da pirâmide, pois a linhagem, títulos e cargos ainda eram indispensáveis nessa trajetória. Enfim, a riqueza e a contribuição régia, ao prover títulos e cargos, eram os principais promotores da ascensão social.
O presente Simpósio Temático aceitará pesquisas que analisem as várias estratégias de nobilitação: as trajetórias e os serviços à monarquia prestados pelos súditos na obtenção de títulos (cavaleiro das Ordens Militares, foro de fidalgo, brasões de armas e justificação de nobreza) e no desempenho de cargos nas tropas (pagas, auxiliares e ordenanças) e na magistratura (juízes de fora, ouvidores e desembargadores). Serão ainda acolhidas pesquisas que enfatizem a ligação entre a fortuna e o prestígio, assim como estratégias coletivas de “autoascensão” das elites coloniais, que procuravam se afirmar frente aos outros grupos sociais e políticos com os quais lidavam. Os súditos demonstravam lealdade à monarquia não só no serviço à Coroa, mas também no governo e nas instituições de âmbito local, como as câmaras, Misericórdias, Ordens Terceiras e confrarias.
Tanto em campos de batalha, como guerreiros ou fornecedores de armas e alimentos, quanto na administração do dia a dia, a participação dos vassalos era absolutamente essencial para permitir a atuação da monarquia. Tal atuação se dava, porém, principalmente porque as benesses régias, os privilégios e honras, podiam impulsionar sua posição entre seus pares e subalternos, incluindo como súditos os portugueses, mazombos, índios, negros e mestiços livres. No entanto, havia também a possibilidade de ascensão que não estava vinculada a Lisboa, pois os grandes proprietários de terras, minas e escravaria podiam controlar vasta clientela e extensão de terras sem as benesses do monarca.
Exemplos de objetos de estudo que podem ser enquadrados na perspectiva que propomos são os militares, fundamentais na defesa do império; comerciantes, cujo serviço à Coroa podia, por vezes, ser principalmente pecuniário, confundindo-se com a compra de títulos; os “homens bons” das Câmaras Municipais, sem os quais a administração periférica da monarquia teria grande dificuldade de atuar; os letrados formados na Universidade de Coimbra, capazes de servir ao monarca como magistrados e naturalistas.
Por último, também são importantes análises sobre formas de discriminação e as estratégias que buscavam ultrapassar tais restrições, a exemplo dos cristãos-novos, mulatos e “mecânicos”, os quais, apesar das normas em sentido contrário, por vezes conseguiram ascender socialmente, apagando a mancha da impureza e/ou do trabalho braçal de sua genealogia e pessoa.
Assim, trabalhos que tratem da ascensão social não só no Brasil colonial, mas em de todo o mundo português são bem-vindos, devido à ampla difusão do serviço à monarquia como forma de impulsionar a mobilidade ascendente de indivíduos e grupos do Porto a Salvador, passando por Angola. Da mesma maneira, estudos sobre outros impérios – notadamente a monarquia hispânica – são relevantes por permitirem a análise de outras variações desses mecanismos, oferecendo importantes bases comparativas.
Bibliografia
FRAGOSO, J. Et alii (orgs). Conquistadores e Negociantes.. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2007.
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MONTEIRO, N. G. Elites e Poder: Entre o Antigo Regime e o Liberalismo. Lisboa: Imprensa de Ciências Sociais, 2003.
RAMINELLI, R. Nobrezas do Novo Mundo. Rio de Janeiro: FGV Editora, 2015.
SORIA MESA, E.. La nobleza en la España moderna..Madri: Marcial Pons, 2007.